Direitos Humanos e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
- Dra. Neusa Morais
- 3 de mar. de 2022
- 8 min de leitura
Atualizado: 20 de mar. de 2022

Direitos e Responsabilidades
Ordem ou Progresso? Eis aí a questão de todos os tempos. Porém, na atualidade, essa pergunta parece já ter sido respondida: o “Progresso”, dizem, estaria atropelando de maneira cada vez mais acelerada as “Ordens”, que se forjaram no mundo depois de Hiroshima. Os cogumelos nucleares já haviam levado consigo muitas das “desordens” que antecederam as guerras mundiais. Foi demais! A Humanidade sentiu, com angústias, que estava causando danos a si mesma. As Nações aprenderam, pela via mais dura, as tristes consequências de suas divisões, de conflitos que levaram a que milhões de pessoas perdessem o mais sagrado dos seus direitos, o de viver.
Apesar de tudo, o planeta sofreu um novo ordenamento em meados desse sangrento Século XX. O caos, paradoxalmente, havia ensinado que as bandeiras da Paz e da concórdia deveriam ser levantadas mais altas que nunca. Isso levou à criação das “Nações Unidas”, com novas instituições para o desenvolvimento, para o financiamento, para a infância. Novos tribunais, novo comercio, novas instituições. Novas regras, mais mercados, menos colônias, menos bombas. E todos, por unanimidade, começaram a preocupar-se, a ocupar-se, da principal vítima da violência: o próprio ser humano. Antes da barbárie, ninguém teria ousado imaginar que os DIREITOS HUMANOS estariam, desde então, na vanguarda da Justiça universal e pessoal.
Mesmo assim, o mundo continuou dividido. Uma cortina de ferro ainda separava visões, interesses e ações compatíveis com o espírito unitário dos acordos e das convenções. As lutas continuaram ainda sob um paradigma de competição e domínio. O progresso, porém, tinha se beneficiado das fronteiras abertas ao conhecimento e à Ciência. Novos utensílios povoaram cidades e domicílios, escolas e hospitais. Novas ferramentas abriam sulco na terra, mas também armavam exércitos de imposição e controle. A Guerra não era tão fria como diziam, nem os Direitos eram tão universais como se pretendia. A sinfonia da Paz tinha sido inacabada. Faltou-lhe um ingrediente essencial: a Paz não tem muros, a Paz não tem ideologia. A Paz se faz entre todos, senão não é Paz. A Paz precisa somar às partes. A Justiça requer benefícios para todas as partes.
A ordem simbolizada pelas Nações “Unidas” não prosperou tanto como para responder às esperanças que lhe depositaram no momento do seu batizado em Nova York.
Será que Chernobyl foi necessário para estremecer o mundo outra vez? Dizem que suas radiações puderam ter afetado de novo grande parte da Europa, mas certamente sentiram-se na Escandinávia. Desde lá, a primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Bruntland, chefiava a Comissão sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento da ONU, a qual em 1987, um ano depois do acidente nuclear, publicou seu relatório denominado “Nosso Futuro Comum”, que concebia o “Desenvolvimento Sustentável”, como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Um Desenvolvimento centrado, portanto, no Ser Humano, para o seu presente e sua posteridade.
O Homem tinha visto a Terra completa desde a Lua. Nos vimos a nós mesmos como um humilde ponto perdido no espaço sideral, e nem assim estávamos unidos. E éramos uma coisa só. Porém, a Esperança voltou quando as cortinas caíram. Logo depois, em 1992, no Rio de Janeiro, o mundo fez nascer a Agenda 21 como a bússola para construir um Lar Comum. Um novo paradigma, uma nova visão sistêmica, integral e integradora. Por unanimidade de todos os países do Planeta, lançou-se um programa de ação, como compromisso de todos, e ressurgiu o caminho da Co-operação, a mesma que também faltara para dar maior eficácia aos Direitos Humanos. Todos saímos do Rio com uma missão na mente e no coração. Uma paixão renovada e ansiosa por construir uma nova Ordem que dizia ao Progresso: avancemos juntos e façamos possível o Direito a uma vida harmônica entre o Homem e a Natureza.
Tanto esforço e ainda assim o Mundo continuou dividido. Haviam vários nomes para o mesmo drama: países industrializados e não-industrializados, pobres e ricos, do Norte e do Sul, livres e dependentes, centrais ou periféricos, do primeiro, do segundo e até do terceiro mundo. Na verdade, o ordenamento vigente ainda gerava caminhos mais simples para alguns e escadas mais íngremes para muitos. Outros diziam que haviam países doadores e receptores, como se de esmolas se tratasse. Era assim que os debates, os relatórios financeiros e as negociações internacionais colocavam a questão. Assim nasceu o conceito da “Assistência” ao Desenvolvimento, com um enfoque bem paternalista, que não encaixava inteiramente nos moldes da verdadeira co-operação, onde o resultado é sempre maior que a soma das partes.
Esse dilema se resolveria finalmente ao início do Século XXI em Johannesburgo, na Cúpula da Terra de 2002, dez anos depois da histórica Rio-92. Na África do Sul de Mandela, se aprovariam 8 metas mundialmente aceitas e que se constituiriam nas tarefas de todos, com ações e avanços a serem monitorados por todos, e com RESPONSABILIDADE compartilhada, mesmo que diferenciada. Ou seja, finalmente Co-operação com “C” maiúscula e com hífen. Foram as chamadas Metas do Milênio1, pois sintetizavam os acordos do ano 2000 na ONU.
Os resultados de ter-se vinculado Direitos com Responsabilidades, quantificáveis e verificáveis por todas as partes, provocou uma evolução fascinante de resultados nunca antes imaginados. A pobreza extrema caiu para mais da metade, os empregos para as classes medias se triplicaram, o número de crianças sem escola caiu também mais de 50%, a equidade de gênero se alcançou em muitas escolas, a desnutrição, a mortalidade, as doenças, o saneamento, a água... Sim, o Direito ao Desenvolvimento era possível, logo os Direitos dos Cidadãos também podiam ser implementados. Muitos diriam depois que tínhamos entrado na “Era da Responsabilidade”.
Na verdade, começaram os tempos da compatibilidade e do equilíbrio entre Direitos e Deveres. Ou seja, se tenho Direito à Liberdade, tenho a Responsabilidade de cuidar da Liberdade do outro; se tenho Direito à Educação, tenho a Responsabilidade de Educar aos que me devo, em casa ou na sociedade. Uma noção que nos faz credores, mas também devedores da vida e do nosso entorno. Um conceito que convoca o público, que busca canalizar a participação popular, pois os seres humanos são finalmente o objeto e devem também ser o sujeito do seu próprio des-envolvimento. Des-envolver-se é tirar-nos a nós mesmos dos labirintos que nos “envolvem” e que restringem nosso Direito à Liberdade, à Prosperidade ou à Felicidade.
Cinco anos depois, em 2007, algo mais impactante que muitas revoluções do passado aconteceu. Nesse mesmo ano2, um pouco antes ou depois, por coincidência ou não, surgiram o iPhone, o Facebook, o Twitter, o YouTube, o Android, o Kindle, o Airbnb, o Watson, e tantas inovações que mudariam o mundo e nosso futuro.
O Progresso começava a afastar-se aceleradamente da Ordem, num ritmo exponencial nunca antes imaginado. As instituições pareciam freadas, ou enferrujadas, ante o ritmo avassalador das mudanças. As metas pareciam estremecer, diante das novidades que nos chegavam na manhã do dia seguinte, na hora seguinte, no minuto seguinte. Gerentes, políticos, profissionais, empregados e empregadores, religiosos ou militares, banqueiros e doutores, todos testemunhavam a revolução que nos rodeia mais e mais intensamente, dia após dia. Só que, em vez de armas, agora os atores carregam um simples celular. Lá dentro desse aparelhinho, mora nosso “Avatar”, fazendo transações, procurando remédios, aprendendo ou ensinando, conversando e até namorando.
Tudo novo, de novo. Na Reunião RIO+20 de 2012, no Rio de Janeiro mais uma vez, o Mundo tinha agora que reconciliar as Metas do Milênio com as novas realidades. Não é só a tecnologia que mudou. Tudo mudou: a maneira de ser, de ter, de comer, de amar, até de viver.
Os Direitos Humanos tinham agora que ser expressados em não mais de 150 carácteres. A medição de tudo virou “viral”: o pulso, o colesterol, a velocidade, o rendimento, a pausa, a duração da música, os pixels do luar, da foto e do vídeo, o tamanho do bolo, as calorias, a temperatura da praia, os raios do sol, o rendimento do dinheiro e das ações, o volume do barulho, o trânsito e também, porque não, o progresso nas metas, teriam que ser digitalizadas e visibilizadas.
Foi então que os países decidiram aperfeiçoar as Metas do Milênio e começaram a negociar a Agenda 2030 e os Gols do Desenvolvimento Sustentável. Eu ainda resisto a chamá-los de ODSs - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável -, pois não são “objetivos”, são Metas, são GOLS (“GOALS” em inglês), um anglicismo tão popular em português, com conotação de Placar e, portanto, de medição. As Metas aumentaram de 8 para 17, o que dificulta a análise, porém simplifica a síntese, pois nos aproximam mais dos reais Gols da Vida, que têm infinitas dimensões. A ação econômica não basta, o triângulo economia-sociedade-ambiente também foi superado. Esses GOLS vêm com 169 indicadores ou “termômetros” que medem os avanços. Foram aprimorados e lançados por consenso global (também se chamam “Gols Globais”) em 2015, o mesmo ano que viu nascer o Acordo de Paris e a Agenda de Addis Abeba para o Financiamento do Desenvolvimento Sustentável. Foi um grande ano para a unidade diante da complexidade.
A velha Ordem ainda não se reformou e o novo mundo ainda não acabou de nascer. Ambos andam estremecidos por populismos, terrorismos, protecionismos. Pretendem conter as mudanças com muros, com saudosismos, com ludismos, ou com destinos já não tão manifestos. Mas a vida sempre encontra a maneira de se reconstruir, como diziam em “Jurassic Park”. A tecnologia industrial claro que trouxe problemas, mas a Humanidade encontrou a maneira de resolvê-los. A tecnologia das guerras multiplicou os dramas, mas o Planeta soube finalmente equacioná-los, apesar dos grandes custos e sacrifícios. A tecnologia digital está nos convidando a refazer novamente a Ordem ultrapassada das burocracias e dos verticalismos. E isso claro que é possível, com base em um otimismo cauteloso, mas construtivo, contribuindo a que, nas novas veias da comunicação, circulem a Fraternidade e a Co-operação, ou seja, trabalhando uns com os outros. Fazendo Sinergias.
Nunca antes as portas para a realização dos Direitos Humanos estiveram tão abertas. Agora basta um toque numa tela para demandar o respeito aos mesmos e para contribuir, com responsabilidade, a sua efetivação. Com fé no futuro vejo esforços, como o deste livro, de unir disciplinas em um só “laser” de reflexão e de ação. Convido aos leitores a desfrutar da narrativa enriquecedora e solvente de cada um de seus capítulos. São todos, em conjunto, uma impressionante aventura de sabedoria integradora. Advogados e engenheiros, Ciências Exatas e Sociais, não havíamos estado em posições antagônicas. Todos temos 17 Metas comuns pela frente. Paz e Justiça sempre precisam um Norte e as ferramentas que as canalizem, assim como também as tecnologias precisam dos seres humanos que as utilizam.
O dilema inicial de Ordem ou Progresso só tem, então, uma resposta, a qual está tão nítida na Bandeira do Brasil: Ordem e Progresso. Ou melhor ainda, citando o lema completo do positivismo: AMOR, ORDEM E PROGRESSO. Sem Amor a nós mesmos e aos outros seriamos apenas “tambores barulhentos”3. Se me amo, tenho Direitos. Se amo aos outros, tenho Responsabilidades. A condição essencial para que os Direitos Humanos e os Gols sejam realmente alcançados em forma convergente é, em síntese, o Amor. Um Amor a ser praticado como uma Paixão Sustentável, isto é, que deixe legado. Que seja, portanto, Eterna. (Prefácio de Oscar W. Serrate - Professor Doutor).
Copyright © 2019 by Hirdan Katarina de Medeiros Costa
Coordenação: Professora Doutora Hirdan Katarina de Medeiros Costa
Autores:
Barbara Della Torre Sproesser
Nayara Trajano Seixas da Silva
Fernando Henrique Medici
Neusa Aparecida Morais Freitas
Fernando Maluf
Núbia Caroline Tavares Costa Giese
Flavio Augusto Ferreira do Nascimento
Oduwaldo José Harmbach
Hirdan Katarina de Medeiros Costa
Rafael Barthasar
Mariana De Angelo Silva Alegre
Raphael Varga Scorpião
Meire Rose Santos Pereira
Renata Rossi Ignácio
Natália Lopez Ladeira
Vitor Silva de Moraes
Nathan Glina
Comments